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Esse novo objeto é a reluzente bicicleta holandesa preta, de design inalterado desde a Segunda Guerra Mundial. Cada vez mais importada para os EUA e começando a ser vista pelas ruas de Nova York (e na vitrine de pelo menos uma loja de vestuário), ela parece ter tudo de que uma boa mania precisa. O que inclui um preço salgado – em geral, entre US$ 1 mil e 2 mil – e a história charmosa de como as bicicletas têm sido parte indispensável da pitoresca paisagem urbana holandesa ao longo de décadas.
Mas poderia Nova York voltar a ser Nova Amsterdam? Poderia a bicicleta, a resposta urbana ao cavalo selvagem Mustang, desacelerar e passar a usar paralamas? Poderia o ciclista urbano, de roupa rebeldemente misturada ou peças colantes em cores berrantes, crescer e vestir uma gravata?
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Felizmente, os novos cortes da moda masculina, com suas formas compactas e esportivas (inclusive nos ternos), parecem feitos sob medida para ir ao trabalho de bicicleta. E como as bicicletas holandesas são pedaladas numa postura ereta e não inclinada para a frente e você se desloca numa velocidade lenta e segura, o suor não é aquele problema que seria numa bicicleta de estrada.Assim sendo, com 270 quilômetros de ciclovias em Nova York, faz sentido que a Dutch Bike Co. de Seattle esteja abrindo uma filial na cidade neste verão, sua terceira loja nos EUA. E mais: bicicletas tradicionais com posições eretas, paralamas e protetores de corrente – denominadas city bikes – são a seção que mais cresce em lojas como a Bicycle Habitat no SoHo.
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James Vicente, um promotor na Corte Criminal de Kings County em Brooklyn, conhece o dilema. Ao visitar Amsterdam há cinco anos, ele inspirou-se a ir trabalhar pedalando de terno e gravata. (Ele converteu sua speed numa bicicleta de roda fixa, com paralamas removíveis.) "Eu gostei da perversidade da coisa", diz. "Gosto de dizer: 'Qualquer um pode fazer isso. É normal.' Eu nem pedalo de capacete, mesmo com as pessoas me chamando de idiota. Pedalar uma bicicleta deve ser algo normal, e você não deveria ter que usar um chapéu ridículo de isopor." Certo dia ele colidiu com outro ciclista, abrindo uma fenda no seu paletó e outra no seu orgulho. Hoje em dia, o terno reside num armário no escritório, e ele só pedala de jeans e camiseta polo. Teria se envolvido num acidente se estivesse com uma bicicleta holandesa? Ele ri. "Provavelmente não", diz. "Eu estava pedalando sem as mãos no guidão e o outro cara saiu da ciclovia. Se eu usasse uma dessas bicicletas, provavelmente teria me mantido melhor em linha reta."
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É preciso notar que o mundo da moda tampouco tem sido amigável à bicicleta. Ao longo de um século buscando parecer esportiva, a moda tem roubado ideias de todo tipo de esporte: equitação, caça, vela, polo, rugby, até o motociclismo. Mas o ciclismo? Nada, exceto piadinhas.
Assim, é bom ver o ciclismo gantar algum tipo de validação, cortesia da Club Monaco. Este mês, como um inusitado acessório da sua linha de roupas urbanas despojadas, ela começou a expor e vender bicicletas da centenária marca Royal Dutch Gazelle em sete das suas lojas (a bicicleta pode ser encomendada em qualquer uma delas).
Durante as férias na Inglaterra no verão passado, James Mills, um executivo da Club Monaco, avistou um londrino elegante pedalando uma Gazelle. De volta a casa, ele importou a sua da Holanda. Poucas semanas depois, ele já a pedalava orgulhosamente até o trabalho. Sua bicicleta ficou tão popular durante uma sessão de fotos que acabou entrando no ensaio, com modelos montadas nela. Entusiasmado pelas imagens, Mills e seus colegas entraram em contato com a Dutch Bicycle Company em Somerville, Massachussetts, que é a importadora das bicicletas, e fizeram um acordo para distribuí-las em suas lojas. "Já vendemos uma dúzia", diz Mills. "E elas só estão nas vitrines há uma semana."
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George Bliss, que dá aula no Pratt Institute no Brooklyn e é proprietário da Hub Station, uma bicicletaria tradicional no West Village, acredita que a melhor divulgação para o ciclismo cotidiano vem das pessoas que estão fora do mundo do ciclismo, não dentro dele. "Eu pensava que o problema era a cultura do automóvel, mas agora acho que é a cultura da bicicleta", diz. O que isso quer dizer é que o discurso a respeito do ciclismo urbano é dominado por ciclistas fanáticos que não têm o desejo ou o talento para atrair pessoas que não enxergam a si mesmas como ciclistas, que é o caso de quem pedala para ir trabalhar.
É certamente assim que os donos de holandesas pensam de si próprios. Peter Moore, um fornecedor e desenvolvedor, pedala uma bicicleta holandesa WorkCycles para o trabalho há anos. Ele até a usa para levar as crianças à escola (uma atrás, outra no selim, enquanto ele pedala de pé – algo bem holandês). Ao mesmo tempo, ele tem consciência de como o estilo é importante para os novaiorquinos. Ex-modelo e filho da falecida editora da moda veterana Nonnie Moore, Peter prefere roupas que combinem com o visual da bicicleta: camisas juvenis Steven Alan, uma gravata, um blazer xadrez da Ralph Lauren, calças do exército e um par de robustos sapatos sociais. "Tudo forma um conjunto", ele explica. "Eu tento me vestir com algum estilo para honrar a qualidade da bicicleta."
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Mesmo assim, pedalar uma holandesa é um conforto fora do comum e uma lição fascinante de geometria de bicicletas. O selim baixo e o guidão em curva forçam você a sentar ereto. O quadro pesado e o ângulo de suas pernas em relação aos pedais tornam difícil acelerar muito. A largura do guidão a torna uma montaria mais majestosa e menos ágil – mais ou menos como dirigir um Lincoln Continental ano 1967. Você se sente mais seguro, calmo; enfim, adulto. A criança energética de 8 anos que mora dentro de muitos ciclistas não ganha muito estímulo. Em resumo, você rapidamente compreende porque os holandeses não usam capacetes – é só uma gracinha de estilo a mais.
Esse texto original é de David Colman, foi publicado no New York Times em 15/04/2009. A tradução é de Mario Amaya para o Blog Gatas de Rodas.
Como gosto muito e tenho afinidades com texto e achei importante reproduzi-lo novamente, ilustrando com fotos de David Roemer (com pequenas inserções de minha parte).
O texto nos revela como, não apenas nova York, mais os resto do mundo esta recebendo essa invasão Cycle Chic, que começou na Europa ("onde pedalar uma bicicleta para ir trabalhar de terno é um ato tão trivial quanto beber uma xícara de café, não existe cultura da bike – a cultura inteira inclui a bike.") e já está fazendo aos poucos parte de nosso dia-a-dia .
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